#5. Uma Breve História do SaaS
Do renascimento do Software como Serviço aos rumores do fim
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Resumo de 1 minuto
1️⃣ O modelo SaaS surgiu como uma evolução da computação em nuvem, permitindo acesso remoto e contínuo a softwares sem a necessidade de infraestrutura local complexa.
2️⃣ Consolidado nos anos 2000, o SaaS se tornou a escolha preferida para aplicações empresariais, oferecendo previsibilidade financeira a um ecossistema de negócios global.
3️⃣ No modelo SaaS, o lucro vem com o tempo: as empresas recuperam o custo de aquisição de clientes através de assinaturas recorrentes, trazendo previsibilidade e escalabilidade.
4️⃣ A concorrência crescente, a ascensão da inteligência artificial e novas tendências de precificação estão reconfigurando o mercado. Apesar das incertezas, o modelo SaaS continua promissor, exigindo inovação e adaptação para maximizar a criação de valor.
"Uma empresa SaaS é uma fábrica de receitas, com os movimentos GTM atuando como suas linhas de produção." Jacco van der Kooij
Do On-Premise ao Cloud
O SaaS (Software as a Service) é um paradigma na história da indústria da tecnologia, pois forneceu aos seus clientes acesso fácil e contínuo a várias aplicações, usando a Internet e sem exigir altos gastos com infraestrutura (CAPEX).
O modelo SaaS, que atualmente ainda é um dos pilares da indústria de tecnologia, tem suas raízes no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Embora a ideia de software acessado remotamente já existisse antes, o SaaS moderno surgiu como uma evolução do Cloud Computing (computação em nuvem), impulsionado por mudanças tecnológicas e de mercado.
Na primeira era da informática, o modelo predominante era o software On-Premise (software local), em que as empresas adquiriam licenças para instalar e rodar programas em seus próprios servidores e dispositivo. Essa abordagem trazia altos custos de implementação, manutenção e atualizações constantes. Porém, com a evolução dos sistemas Clouds e da Internet, a visão de entregar software como um serviço acessível via navegador, sem a necessidade de instalação local, começou a ganhar força.
O SaaS se consolidou como o modelo preferido para uma vasta gama de aplicações – desde CRM e ERP até ferramentas de colaboração e software de design. Seu impacto foi tão profundo que muitos negócios e startups modernos começaram a ser desenvolvidos diretamente na nuvem, sem sequer considerar a abordagem On-Premise.
Com o passar dos anos, o SaaS passou a oferecer não apenas acesso simplificado a softwares, mas também modelos de negócios mais previsíveis para empresas e investidores, baseados em assinaturas recorrentes. Este movimento foi fundamental para o crescimento exponencial de empresas SaaS e a criação de um ecossistema global, que hoje é um dos motores mais importantes da economia digital.
IaaS / PaaS / SaaS
A computação em nuvem disponibiliza serviços em três camadas, eliminando a necessidade de grandes investimentos em infraestrutura. Os principais modelos são: IaaS (Infraestrutura como Serviço), PaaS (Plataforma como Serviço) e SaaS (Software como Serviço). Cada um oferece diferentes níveis de controle e responsabilidades para as empresas.
IaaS: Fornece recursos de infraestrutura, como servidores, armazenamento e rede, sob demanda. O cliente gerencia o sistema operacional, aplicativos e dados, enquanto a infraestrutura física é mantida pelo provedor de nuvem.
Grandes players: Amazon Web Services (AWS), Microsoft Azure, IBM Cloud, Google Cloud e Oracle Cloud.
PaaS: Fornece uma plataforma completa para o desenvolvimento, execução e gerenciamento de aplicações, sem que o cliente precise cuidar da infraestrutura subjacente. O provedor de PaaS gerencia o ambiente, mas o cliente ainda é responsável pelo desenvolvimento do software.
Grandes players: Google App Engine, Amazon Elastic Beanstalk e Dokku.
SaaS: O modelo SaaS entrega um software pronto para uso diretamente na nuvem, totalmente gerenciado pelo provedor. Os usuários acessam o aplicativo via navegador web, sem necessidade de instalação ou alto CapEx.
Grandes players: Salesforce, Netsuite, Adobe e Slack.
O Modelo de Negócio
Em modelos de negócios tradicionais, como na venda de eletrodomésticos ou carros, todos os custos associados ao produto precisam ser recuperados em uma única transação. Para a viabilidade do negócio, essa transação deve cobrir todos os custos e gerar lucro em um curto espaço de tempo.
Por outro lado, no modelo SaaS, as primeiras vendas dificilmente cobrem o custo inicial de aquisição do cliente (CAC), que inclui desenvolvimento do software, despesas com marketing, vendas, suporte e infraestrutura. Em vez de lucro imediato, as empresas SaaS buscam um retorno a longo prazo, cobrando uma taxa de assinatura recorrente. Esse retorno gradual permite a recuperação do investimento inicial somente ao longo do tempo.
Essa dinâmica de CAC maior que LTV até LTV maior que CAC, observada em nível micro por cliente, pode ser entendida como uma espécie de Triângulo do Desespero, representando o tempo necessário para atingir o ponto de equilíbrio no custo de aquisição do cliente. A velocidade de crescimento pode intensificar as perdas iniciais, pois essa dinâmica de aquisição se acumula rapidamente, pressionando o fluxo de caixa e encurtando o runaway do negócio.
Nesse contexto, a receita recorrente não se origina apenas da assinatura, mas da capacidade da empresa de gerar impacto contínuo para o cliente. Isso exige a entrega consistente de valor, seja por meio de melhorias no produto e suporte (Customer Success), garantindo que o cliente permaneça engajado. A experiência do cliente é, portanto, crucial em todas as fases do relacionamento, desde a aquisição da assinatura até a renovação periódica.
Contexto Atual e Desafios Futuros
O ambiente atual do SaaS é desafiador. A dificuldade em obter crescimento no ARR em comparação a tempos recentes reflete os desafios impostos por um ambiente macroeconômico mais turbulento, que torna a aquisição de novos clientes mais difícil. Isso se intensifica com Budgets mais apertados, concorrência mais acirrada e um ambiente de compra mais seletivo.
As taxas de retenção, refletidas principalmente pelo NRR, também mostraram queda em relação às médias de anos anteriores, geralmente decorrentes da redução na expansão de receita na base e aumento das taxas de churn. Diante da dificuldade em alcançar crescimento agressivo, as empresas começam priorizar margens de resultado, como Margem Bruta e Margem EBITDA, além de preservação de caixa. O desafio adicional é ajustar os custos na mesma velocidade e eficiência quanto ocorre os ajustes da receita, afim de contrabalancear a desaceleração do crescimento.
Recentemente, tem surgido previsões apocalípticas a respeito do fim do SaaS, diante das incertezas macroeconômicas e de uma nova dinâmica de mercado pós ascensão da IA. Artigos como The End Of The SaaS Era: Rethinking Software’s Role In Business publicado pela Forbes, discutem como a era do SaaS pode estar chegando ao fim.
Os prognósticos mais pessimistas apontam para a premissa fundamental de altos níveis de LTV e altas taxas de retenção como um dos principais indícios de declínio do modelo. Os argumentos são de que a premissa se provou excessivamente otimista, pois frente as pressões contínuas de preço e taxas de juros mundo a fora, a retenção de clientes se tornou um desafio contínuo em vez de algo garantido.
Um segundo argumento diz respeito a possibilidade de comoditização do software com a crescente evolução da IA. Com a popularização da inteligência artificial, somada as estruturas de desenvolvimento de software Low-Code e No-Code, a criação de soluções sofisticadas pode se tornar mais acessível do que nunca, e uma proliferação de opções para empresas e pessoas, nas mais diversas verticais de negócios são uma possibilidade de futuro. Isso pode levar a uma maior compressão das taxas de crescimento de receita de empresas SaaS, com redução de preços e de margens.
Um terceiro desafio citado para o futuro do SaaS é a ascensão de novos modelos de precificação baseado no consumo/utilização, como o Usage-Based Pricing (UBP). O UBP parece ser cada vez mais uma opção de modelo de faturamento, dando aos clientes a possibilidade de rotatividade na utilização sempre que quiserem, o que teria um impacto no modelo SaaS de adaptação e ajuste produto-mercado constante sob essa forma de precificação. Isso representaria também um desafio adicional na retenção da base de clientes.
Alguns dos principais reports de benchmarking, sobretudo do mercado dos Estados Unidos, tem apresentado uma tendência de queda do NRR desde 2021, principalmente em empresas de maior ARR. Apesar de um certo achatamento dos percentuais, ainda parece cedo para dizer, de modo generalizado nos diferentes quartis, que não será mais possível observar no modelo SaaS um padrão de NRR maior que 100%, na busca por garantir um crescimento sustentável do negócio, compensando a perda de receita via churn e downsells. No entanto, quanto maior que 100%? Esse será o desafio.
Apesar dos avanços na utilização da IA como ferramenta de agilização de processos, automação de rotinas e consequente incremento de produtividade, parece difícil apostar que só por esse escopo será possível obter enormes taxas de crescimento, disrupção nos mercados existentes e principalmente criação de novos mercados. Com ganhos de produtividade, deverá se observar avanços de reconfiguração do tamanho dos times, com mudanças de grau nos investimentos pesados em Marketing e Vendas. Será interessante observar o quanto isso se converterá de fato em níveis mais altos de APE (ARR Per Employee), que é um dos principais indicadores de produtividade utilizados pelo mercado SaaS.
Mesmo com ganhos de produtividade, será necessário algo mais robusto, que impacte de forma profunda a economia a ponto de gerar ganhos de escala em patamares disruptivos e principalmente criação de mercados ainda sequer existentes. Soma-se a isso a verificação na prática do quanto a barreira de entrada na construção de softwares de alto impacto para a operação das organizações poderá ser facilmente superada, e quanto a troca de sistemas SaaS de profunda aderência nas empresas poderá ser feita sem grandes problemas. O impacto de mercado da IA sobre o SaaS será tão grande quanto foi o SaaS sobre o modelo On-Premise? Essa é a real questão.
Talvez o desafio que mais está se consolidando já no presente, seja o impacto na precificação clássica do modelo SaaS, pautado em contratos de assinatura a preços relativamente fixos. Os modelos de precificação baseados em uso tendem a ser expostos a níveis mais altos de volatilidade, principalmente em tempos de turbulência macroeconômica, como aponta o relatório recente da ICONIQ Growth. A dinâmica de atuação dos times de Customer Success sobre as taxas de churn pode ter o desafio adicional de grupos de clientes com forte oscilação no uso do software ao longo do ano, embora sem churnar. Ainda que em fase inicial, a tendência de mercado parece apontar para um aumento gradual de que produtos e serviços nativos de IA acelerem essa mudança no cenário SaaS, de forma que as empresas poderão adotar cada vez mais frequentemente a precificação com base no consumo/utilização versus contratos de assinatura fixos. Nesse cenário será ainda mais importante o posicionamento das empresas de software na criação de valor e em como esse valor é percebido por seus clientes.
Apesar dos desafios, o modelo de negócio SaaS parece muito longe de seu fim. Algo mais provável em se consolidar são as mudanças na forma de avaliar as empresas (métricas), o que deverá levar a mudanças em relação ao significado do ARR, por exemplo, principalmente pelos diferentes modelos de precificação. Alguma mudança com maior profundidade na precificação pode levar a uma perda gradual do significado clássico do ARR.
Com as mudanças em curso, será necessário adaptação e inovação para continuar gerando valor em um período de disrupção. Mudanças nas métricas mais consolidadas naturalmente podem ocorrer, porém toda a estrutura do modelo SaaS está estruturado sob a hipótese de forte retenção de clientes (alto NRR), e isso dificilmente deve mudar. Sem um NRR em níveis adequados, o modelo entraria em colapso.
Conclusão
A evolução do SaaS ao longo das décadas foi marcada pela busca por modelos de entrega e precificação que proporcionassem acessibilidade, escalabilidade e previsibilidade tanto para empresas quanto para investidores. Apesar de sua consolidação como pilar da economia digital moderna, o cenário atual exige adaptações estratégicas para enfrentar novos desafios. O achatamento de taxas de crescimento e retenção, concorrência acirrada, pressões de preços e a tendência de modelos baseados em uso, devem redefinir o futuro do SaaS.
Esse ambiente dinâmico coloca as empresas SaaS em um ponto de inflexão: equilibrar eficiência operacional com inovação, priorizando a retenção de clientes e otimizando margens de lucro. O futuro do SaaS dependerá da capacidade das empresas de inovar em distribuição e produto e de se posicionar estrategicamente para agregar valor duradouro aos seus clientes em um mercado cada vez mais competitivo.
Contrariando as previsões mais pessimistas, o modelo SaaS provavelmente ainda reserva seus melhores dias, porém sob novas configurações. Impulsionado pelas oportunidades trazidas pela IA e pela dinâmica central do próprio modelo, deverá emergir um novo padrão SaaS: uma espécie de SaaS 2.0 ou SaaS.IA.
Obrigado por acompanhar até aqui e até a próxima :)